O pai da Laila era mais do que presente, era seu melhor amigo. Sempre sorrindo, ele fazia questão de incentivar os filhos a estudarem. Ainda assim, o pai da Laila carregava uma história dura. Era motivo de críticas numa casa onde estudar era visto como coisa de gente preguiçosa. O que importava era trabalhar.
E mesmo assim, fazia de tudo para não deixar transparecer a dor. Era o homem das piadas, do bom humor, da esperança renovada a cada entrevista de emprego.
Mas a verdade é que, muitas vezes, ele voltava pra casa frustrado. Porque quando o contratante descobria que o homem cheio de entusiasmo ao telefone era um homem preto, retinto, o emprego certo virava só uma entrevista. Ainda assim, ele nunca parava de tentar.
A última conversa entre ele e a Laila foi de amor. “Eu te amo, filha.” “Eu te amo também, pai.” E ela foi dormir. No dia seguinte, chegando em casa depois da escola, Laila recebeu a notícia de que o pai tinha morrido por conta de um infarto. E ela acreditou.
Ainda assim o luto foi avassalador. Nada mais fazia sentido. A escola perdeu o brilho.
Até que a avó paterna disse: “Vai deixar a dor te destruir ou correr pelos sonhos do seu pai?”
Foi esse o impulso que ela precisava pra tentar o vestibular. E conseguiu. Laila foi aprovada em Química na USP.
Foi aí que o chão abriu de novo. Ao procurar o atestado de óbito do pai para a matrícula, ela encontrou um boletim de ocorrência em que o laudo indicava suicídio.
A raiva veio primeiro. Como ele pôde? Mas com o tempo, muita leitura e terapia, veio também a compreensão. A Laila que estudava moléculas ou a estudar a sociedade.
Leu Djamila Ribeiro, Lélia Gonzalez, Ângela Davis. Foi entendendo que a depressão do pai era também sobre racismo. Laila entendeu que o pai não foi fraco. Ele foi forte por tempo demais.
Hoje, ela é professora e guarda uma caixa de cartas de jovens que disseram ter desistido de tirar a própria vida depois de ouvi-la falar.
A tragédia da Laila hoje impede que outras famílias vivam tragédias iguais. Ela decidiu transformar dor em cuidado.
Fonte:@historiasdeterapia